Esse ano que se passou tomou de assalto a paleta mais mórbida possível de se enxergar, em tons de tristeza com sombras de incertezas, a vida nunca tinha sido tão mal temperada como se apresentou durante esses tempos. Recordo-me como os primeiros dias, as primeiras semanas, foram desastrosas na geração de imagens com medonhas visualidades a serem vistas obrigatoriamente. As tardes eram recolhidas em tom menor, os noticiários tomavam a programação em tempo integral, os dias nunca cessavam e a vida acabava por se enroscar em si.
Como ficar inspirado diante disso? Como se alimentar de determinadas visagens se tudo conspira para o caos e tormentos insólitos de manhãs pandêmicas?
Recentemente ouvi mencionado em uma rede social uma análise interessante sobre um aspecto tão passageiro do cotidiano que já vinha observando nesse contexto da pandemia. Assim que conseguimos sentir os efeitos do isolamento, algumas coisas do dia a dia serviram como uma forma de fuga da realidade caótica que nos cercava, nessa época começou a ficar na moda ter colares de miçangas coloridas, uns com nomes e até smiles, além de outras peças com cores vibrantes ou em tons pastéis num estilo que não via há muito tempo e que particularmente não gostava nenhum pouco pois não conseguia entender como algo assim poderia ser tendência em 2020/2021. Só hoje compreendi que essa moda foi na verdade uma forma de escapismo da realidade, se a vida é tão dura e tudo tão caótico talvez se decorar com cores que lembrem adornos baratos de infantes e adolescentes dos anos 2000 possibilite reconectar essas pessoas com determinadas memórias da infância, em um estágio onde geralmente se tem menos responsabilidades.
Escapismo, eis um louvável delírio para a situação que nos localizamos ainda que de forma um pouco mais branda.
A maior profissão de fé que o artista pode ter em seu momento de criador não é na busca por retratar a realidade em si, mas em buscar formas de sair dela. Extrapolar o limite do imaginário e consequentemente encontrar saídas para cenários como esse, são fundamentais para conseguir sobreviver a determinados contextos.
Nesse sentido, algumas lisergias se fazem muito úteis e vitais, propondo camadas de entendimento que jamais poderiam florescer na dura realidade de um habitante do Brasil em 2020.O êxtase dos deuses foi a euforia que pude presenciar recluso ao meu quarto, incendiária e pulsando de dentro pra fora, abrindo caminhos que as vistas nítidas do cotidiano não contemplam em sua performance da vida.
Há beleza no caos, não aquela que enxergamos à primeira vista que merece ser vangloriada pelas suas características estéticas e coisas assim, mas sim o belo que surge como uma forma de brevemente escaparmos do olho do furacão e continuar tendo consciência do caminho.
Sejamos extasia
Foi bom demais ler esse texto!